O objetivo desse post é tornar público o caso de uma Bulldog Francesa de 19 meses submetida, com sucesso, a uma técnica modificada da cardiomiotomia de Heller. Trata-se do reparo cirúrgico do cardia (esfíncter esofagiano inferior) como tratamento do megaesôfago ou acalasia.
Neste caso específico a eutanásia já havia sido indicada.
Neste caso específico a eutanásia já havia sido indicada.
Bibi reduzida a pele e ossos três dias após a cirurgia. Aqui ela tinha pouco mais de seis quilos e já havia ganhado peso. |
A boa notícia vem para aqueles que possuem um cão acometido pela enfermidade.
A recomendação veterinária para casos graves da doença, até então, era a eutanásia, porém a medicina humana há décadas trata pessoas acometidas por essa condição. Antes que a miotomia fosse praticada em humanos muitos cães foram submetidos a ela com êxito, pobres cobaias. No entanto livros de medicina veterinária não relatam o fato. Ao contrário disso e estranhamente alguns autores citam até mesmo a ineficácia da técnica quando aplicada em cães (1, 2, 3, 4).
O megaesôfago é uma doença de causa ainda desconhecida podendo estar associada a outras doenças. Há perda da motilidade ou peristaltismo esofagiano e falência no relaxamento da musculatura do esfíncter ou válvula na transição do esôfago com o estômago (o cardia). Tal condição não permite o trânsito adequado dos alimentos. Eles ficam estagnados no esôfago promovendo sua dilatação progressiva e por consequencia episódios recorrentes de regurgitação, disfagia, emagrecimento e pneumonias aspirativas. Quando não tratado pode levar à inanição, caquexia, desidratação e morte.
Como opção não cirúrgica há a possibilidade de realizar injeção de botóx (toxina botulínica) por via endoscópica na área da transição esôfago-gástrica (cárdia). Esse tratamento é paliativo pois os efeitos da toxina botulínica são degradados e o relaxamento do cárdia deixa de ocorrer em alguns meses. A cirurgia videolaparoscópica, por se tratar de método menos agressivo é praticada em humanos e poderia muito bem ser desenvolvida em cães resultando em recuperação mais precoce.
A cirurgia não é curativa, pois não recupera o peristaltismo esofágico, mas sim irá permitir a continuidade do fluxo dos alimentos. Faz-se necessária a permanência na posição vertical até que o alimento chegue ao estômago. A ação da gravidade passa a ser fundamental para o trânsito do bolo alimentar. O fato do ortostatismo dos quadrúpedes ser diferente do humano pode ter sido a causa da frustração daqueles autores. A cirurgia garante a chegada do alimento ao estômago mas não dispensa os cuidados posturais e dietéticos.
O megaesôfago é uma doença de causa ainda desconhecida podendo estar associada a outras doenças. Há perda da motilidade ou peristaltismo esofagiano e falência no relaxamento da musculatura do esfíncter ou válvula na transição do esôfago com o estômago (o cardia). Tal condição não permite o trânsito adequado dos alimentos. Eles ficam estagnados no esôfago promovendo sua dilatação progressiva e por consequencia episódios recorrentes de regurgitação, disfagia, emagrecimento e pneumonias aspirativas. Quando não tratado pode levar à inanição, caquexia, desidratação e morte.
Como opção não cirúrgica há a possibilidade de realizar injeção de botóx (toxina botulínica) por via endoscópica na área da transição esôfago-gástrica (cárdia). Esse tratamento é paliativo pois os efeitos da toxina botulínica são degradados e o relaxamento do cárdia deixa de ocorrer em alguns meses. A cirurgia videolaparoscópica, por se tratar de método menos agressivo é praticada em humanos e poderia muito bem ser desenvolvida em cães resultando em recuperação mais precoce.
Foto cedida por Josiane Pires |
A cirurgia não é curativa, pois não recupera o peristaltismo esofágico, mas sim irá permitir a continuidade do fluxo dos alimentos. Faz-se necessária a permanência na posição vertical até que o alimento chegue ao estômago. A ação da gravidade passa a ser fundamental para o trânsito do bolo alimentar. O fato do ortostatismo dos quadrúpedes ser diferente do humano pode ter sido a causa da frustração daqueles autores. A cirurgia garante a chegada do alimento ao estômago mas não dispensa os cuidados posturais e dietéticos.
Nutición Clínica en Pequeños Animales - 4ª Edición. Hills |
Dois amigos cirurgiões, um médico e o outro veterinário, uniram-se em fevereiro de 2010 e realizaram a miotomia, reparo cirúrgico para tratamento do megaesôfago (acalasia) em um cão com sucesso. A paciente foi uma jovem fêmea de Bulldog Francês e a técnica utilizada foi a mesma que hoje é praticada em humanos. Foi realizada uma cirurgia para abertura do esfíncter esofagiano inferior além da confecção de uma válvula para coibir o refluxo.
Hoje a cachorrinha leva uma vida saudável e feliz.
Em fevereiro de 2011 completou um ano da realização da cirurgia. A frenchie ficou restrita a refeições pastosas e precisa adotar elevação do tronco enquanto come. Quem a vê jamais a imaginaria em estado caquético e condenada à eutanásia. Sua família humana agradece cada dia vivido ao lado dessa pequena vencedora e sortuda. Ela encontrou profissionais que somaram esforços para lhe oferecer vida quando todos recomendavam a morte como única forma de aliviar o sofrimento.
“ A criatividade está em buscar a melhor saída. Praticamente tudo já foi dito, feito ou pensado. Cabe ao homem tomar do conhecimento e fazer bom uso.” (Sirley Vieira Velho)
Conheça a luta e vitória de Bibi e sua família
Por Lisandra Krummenauer Moura, proprietária do Canil Masllov
Bibi era uma cachorra saudável e feliz. Foi cruzada em seu segundo cio. A partir daí começou seu sofrimento. Regurgitava frequentemente: algo típico da prenhez. No começo o sintoma não causou maiores preocupações, pois não é incomum frenchies regurgitarem. O calor intenso de dezembro de 2009, associado à gravidez justificaria o fato. Em 30 de dezembro de 2009 ela deu à luz dois filhotes, sendo que um deles morreu ao nascer.
Cerca de 20 dias depois do parto o número de regurgitações diárias passou a se tornar progressivamente maior. Nesse momento percebemos que algo estava errado. Ela foi levada ao plantão veterinário onde colheram amostras de sangue e foi submetida a um RX. Depois disso foi dispensada com suspeita de virose.
Recomendaram uma dieta a base de frango e arroz e o retorno no dia seguinte para avaliação dos resultados dos exames. Nesse meio tempo até o dia seguinte mergulhamos na internet em busca de respostas. Dentre todos os artigos pesquisados a possibilidade era de que se tratasse de acalasia ou megaesôfago. No retorno ao vet. os exames se mostraram normais, inclusive o RX. Porém já havíamos nos antecipado e sabíamos que na maioria dos casos de acalasia apenas o RX contrastado pode dar o diagnóstico. Isso foi sugerido ao vet. que muito a contragosto atendeu a nossa insistência e repetiu o exame, dessa vez com contraste.
RX mostrando dilatação e estagnação do contraste no esôfago
selando o diagnóstico de megaesôfago
selando o diagnóstico de megaesôfago
Alguns cães sobrevivem bem comendo na posição vertical. O alimento desce até o estômago e não volta mais. Outros infelizmente acabam sacrificados ou morrem de inanição, pois o alimento não chega ao estômago. Não existe tratamento que seja capaz de restabelecer o tônus e a motilidade esofágica. Uma vez dilatado ele perde os movimentos peristálticos que empurram o alimento para dentro do estômago. Com a Bibi a situação foi grave, o esfíncter que existe entre o esôfago e o estômago estava hipertônico, por isso o esôfago dilatou. Seguimos a orientação de alimentação pastosa, mas em sete dias só havia aceitação de líquidos.
Iniciamos uma busca desesperada por algum tratamento. As repostas eram desanimadoras e unânimes: “não havia solução, a cirurgia traria pouco ou nenhum resultado e não era recomendada”. Aconselhavam sacrificá-la, justo ela que dormia com minha filha. Onde buscar coragem para isso?
Cadeira para alimentação de animais com megaesôfago |
Nesse tempo eu trocava idéias com a Sirley e o Evandro, amigos do canil Skonbull. Eles sugeriam que eu a levasse até Florianópolis e lá viabilizariam, juntamente com o veterinário do canil, uma cirurgia há muito realizada em humanos. Evandro é médico cirurgião e estava familiarizado com tal procedimento. Eu tinha medo de tentar e não dar certo. Queria saber de alguém que já tivesse feito esse procedimento com resultado positivo em cães.
Finalmente chegou ao limite, nem líquidos passavam mais. Ela regurgitava até mesmo a água. Estava definhando dia a dia.
A levamos a um veterinário que perfurou sua bochecha e através desse orifício introduziu uma sonda até seu estômago. Assim passamos a alimentá-la com leite injetado por seringa através da dita sonda. O desconforto era imenso e foram quatro dias até que ela mastigasse triturasse e regurgitasse a sonda. Tirei os pedaços da sonda pelo furo na face. Fiz um curativo e finalmente tomamos a decisão "chega de machucar a pobrezinha". Liguei para a Sirley e combinei de levá-la no carnaval, quando teríamos folga. Precisávamos arriscar, afinal a eutanásia não é algo facilmente tolerável. Por dias injetamos soro através de um acesso venoso em sua perna. As veias estouravam com facilidade. Para mantê-la viva até a cirurgia, na ausência de veias, comecei a administrar soro por via subcutânea. Fazia bolas enormes de líquido sob sua pele. É horrível ter de furar o bichinho da gente várias vezes ao dia num procedimento doloroso. Ela morria de medo de mim.
No carnaval eu e minha filha a levamos até Florianópolis. A Sirley e o Evandro se assustaram com a magreza da Bibi. Ficaram temerosos quanto a ela resistir ao procedimento cirúrgico. Ela foi levada até a clínica veterinária onde foi operada. Foi cortado o esfíncter que fechou e criada uma válvula anti-refluxo com o fundo do estômago para a comida não voltar mais. Além da cirurgia do esôfago foi realizada também sua castração.
Voltamos para casa e aos poucos ela foi se recuperando.
Hoje está faceira e totalmente saudável. Observamos que a alimentação pastosa causa menos desconforto. Ficamos com ela no colo em posição elevada até que arrote, semelhante ao que fazemos com bebes humanos. Minha filha é quem dá a comida a ela. De minha mão ela se recusa a comer pois associou com "passar mal". Até hoje ela treme quando vê a lata de comida, tem medo de comer, se esconde embaixo dos móveis. Tirando esse medo ela é uma cachorrinha super feliz, passeia conosco, brinca com os outros cães e ainda dorme com minha filha. Não ficaram sequelas físicas.
O comprometimento dos donos no manejo do cão é essencial para o sucesso da cirurgia e tratamento (5).
Sirley Vieira Velho
Seja gentil, seja coerente e correto cite a fonte original sempre.
Referências
1- William R. Fenner-Consulta Rápida Em Clínica Veterinária. 3ª Edição, Ed Guanabara Koogan - RJ 2003.
2- Richard W. Nelson, C. Guilhermo Couto-Medicina Interna de Pequenos Animais - 4 Edição. Editora Elsevier Ltda. 2010.
3-Hoskins, Johnny D-Veterinary Pediatrics Dogs and Cats from birth to six months-3rd edition-Ed Sounders Philadelphia, PA, USA – 2001
4- Todd Tams-Handbook of Small Animal Gastroenterology - Ed. Saunders. West Los Angeles, CA 2003.
5- The Merck Veterinary Manual, Merck & Co., Inc -Whitehouse Station NJ, USA-2008.
6- Stuart J Spenchler-Clinical Manifestation and Diagnoses of achalasia -Last literature review version 18.3: September 2010-www.uptodate.com
7- Stuart J Spechler-Overviw of the treatment of achalasia - Last literature review version 18.3: September 2010-www.uptodate.com
8- Stuart J Spechler-Pathophysiology and etiology of achalasia-Last literature review version 18.3: September 2010-www.uptodate.com
9- Thatcher Remillard et all-Nutritión en Pequeños Animales- Hand, 4ª Edición- Ed Hills 2000.
9- Thatcher Remillard et all-Nutritión en Pequeños Animales- Hand, 4ª Edición- Ed Hills 2000.