Exames complementares ajudam ou atrapalham o tratamento?

Há uma vasta gama de exames complementares disponíveis aos nossos animais de estimação. Eles vão desde exames de sangue, raios X , ultra-sonografias até tomografias computadorizadas e ressonância magnética. Tudo para que o veterinário possa confirmar um diagnóstico, auxiliando no raciocínio clínico e condução do tratamento.
Inúmeras são as possibilidades de análise, dosagem e pesquisa  no sangue. Desde células, sais, metais, proteínas, antígenos, anticorpos, enzimas, lipídeos, gases, hormônios, microrganismos (vírus, bactérias, fungos, protozoários), toxinas, medicamentos até a análise ultra-estrutural do DNA podem ser quantificados e qualificados.



Exames de sangue e raios X também são utilizados por criadores. Eles ajudam na seleção de exemplares mais saudáveis e aptos à reprodução, são os chamados exames de triagem das matrizes e reprodutores.

Se você testa seus animais antes de reproduzi-los
esteja atento às armadilhas que podem conter os exames de sangue!

Alguns exames dependem muito da habilidade e prática de quem os executa. É o caso da ultrassonografia, considerado examinador dependente, onde o néscio pouco se beneficia da tecnologia disponível num aparelho de última geração.
Outros exames, no entanto, tem seu processo composto por várias etapas envolvendo muitas pessoas diferentes. Cada uma delas pode determinar a confiabilidade do resultado final, é o caso do exame de sangue.
Os exames de sangue são os recursos mais acessíveis, mas ao mesmo tempo os que mais podem confundir o veterinário. Resultados obtidos a partir de amostras colhidas de forma inadequada, mal identificadas, mal acondicionadas e transportadas ou mal armazenadas são um risco à saúde do animal. Esses “falsos” resultados podem fazer com que doenças deixem de ser tratadas, levando o animal ao sofrimento e  morte. Podem induzir a tratamentos inapropriados, desnecessários e nocivos. Isso gera despesa inútil, desgaste, desgostos e a perda do precioso tempo determinante do restabelecimento do animal.


Como uma amostra ou coleta inadequada do sangue poderiam gerar tanta confusão?
Os exames laboratoriais estão sujeitos a uma série de interferentes que podem comprometer o resultado final. A maior parte dos erros se deve à fase pré-analítica do processo, que acontece geralmente fora da bancada de trabalho do laboratório.
Encabeçando a lista dos erros pré-analíticos está a coleta do material seguida pelos cuidados com a amostra.


Veja os muitos interferentes no momento da coleta: 

image O estresse gerado pela coleta do sangue também pode alterar resultados de exames
  •  Acesso venoso difícil, múltiplas perfurações da veia, aspiração vigorosa na seringa.
  • Garroteamento prolongado (por mais de um minuto).
  • Demora na transferência da amostra para os tubos. 
  • Transferência rude através da agulha ou gerando impactos. 
  • Escolha inadequada do tubo (muitos exames requerem conservantes diferentes e específicos) 
  • Falta da homogeneização imediata do sangue com o conservante (10 vezes por inversão)
  • Falta de delicadeza na homogeneização da amostra, 
  • Identificação inadequada do tubo permitindo troca de amostra entre pacientes.
  • Exposição a temperaturas inapropriadas à conservação da amostra.
  • Demora no processamento. A degradação de algumas amostras se inicia logo após a coleta (urina, amostras destinadas à analise microbiológica, gasometria etc..)

O sangue é composto de duas grandes porções que são divisíveis em subgrupos:

image 

Erros pré-analíticos em relação à amostra Possíveis Conseqüência
Hemólise Alteração em dosagens hormonais, cálcio, sódio,
potássio, magnésio e inúmeros outros elementos
Volume insuficiente* Atraso no laudo para solicitação de mais amostra
Tubo inapropriado Atraso no laudo para solicitação de nova amostra
Coágulo em amostras preservadas por anticoagulantes Se detectado solicitação de nova amostra.
Se não percebido graves alterações em
hemograma e testes de coagulação.
Amostra não identificada** Possibilidade de troca entre pacientes
Amostra erroneamente identificada** Possibilidade de troca entre pacientes
Armazenamento inadequado Comprometimento dos resultado

*Os tubos contendo anticoagulantes devem ser preenchidos com o volume de amostra determinado pelo fabricante e estará impresso no rótulo do tubo.
** Procure pela identificação positiva do animal, chamando-o pelo nome ou outras formas de identificação, caso esteja internado.

Outros critérios para a obtenção de amostras podem ser enumerados:
  • observação do jejum, necessário para alguns testes;
  • registro dos medicamentos que o animal esteja fazendo uso deverão ser encaminhados ao laboratório juntamente com a amostra;
  • horário da coleta pode ser indispensável para algumas dosagens;
  • para testes de controle de dose de medicamentos normalmente deve-se colher a amostra imediatamente antes da administração da droga a ser dosada.
O sangue depois de colhido tende a coagular. Alguns exames como o hemograma e testes de coagulação são feitos com o sangue em sua forma líquida. Para que não ocorra a coagulação a amostra deve ser imediatamente transferida para tubos contendo anticoagulantes. Outros necessitam de preservantes para coibir a degradação do analíto que será dosado.
Quando a amostra coagula por completo o erro é facilmente detectado. Porém a coagulação pode ser parcial e assim passar despercebida. Este caso mimetiza uma condição chamada pancitopenia, onde as três  linhagens hematopoéticas se mostram diminuídas (linhagem branca, vermelha e plaquetas). A presença de coágulos torna inadequadas as amostras destinadas aos testes que investigam coagulopatias e hemograma dentre outros.
Outros parâmetros ajudam a denunciar a presença de microcoágulos na amostra do hemograma.
A leucopenia, plaquetopenia e valor baixo de hematócrito apresentam-se acompanhados de outros achados que devem ser correlacionados. A concentração de hemoglobina, volume corpuscular, a concentração da hemoglobina corpuscular média, a contagem de plaquetas e o formato das hemácias levam o clínico a suspeitar de possíveis problemas com a amostra.
O profissional que irá interpretar o hemograma deve habituar-se a fazer essa correlação.

Outros exames no entanto utilizam somente o soro. Para obtenção do soro utilizamos um tubo que chamamos seco, sem anticoagulante.  O soro é a parte líquida do sangue já desprovida dos fatores de coagulação, que foram consumidos na formação do coágulo. A amostra colhida irá coagular e em seguida será separada em centrífuga, deixando a porção sólida e liquida em duas fases bem distintas.
O procedimento de coleta determinará a fidedignidade dos resultadas dos exames tanto quanto a correta escolha do laboratório ou profissional que irá analisar a amostra.

Transferindo a amostra para os tubos: – Ah isso eu sei, é muito fácil!

Nem tanto. Atualmente todos os tubos destinados ao acondicionamento de amostras para análise são do tipo à vácuo. Na verdade eles são próprios para humanos adultos que apresentem acesso venoso calibroso. Em humanos o sangue será colhido diretamente do braço para dentro do tubo, dispensando a seringa. Ele é  sugado por um sistema a vácuo que “puxa” o sangue da veia diretamente para o interior do tubo, não causando turbilhonamento. Em crianças, bebês e animais pequenos esse tipo de coleta é inviável. O acesso venoso desses indivíduos é mais difícil, as veias são menos calibrosas e com isso estarão sujeitas ao rompimento traumático comprometendo células e outros componentes do sangue.
Então como é colhido o sangue de meu bebê, cãozinho ou gato? As amostras serão colhidas com seringa, por agulha simples ou com o uso de escalpe ou buterfly.

Excelente vídeo aula, transferindo as amostras para os tubos.

Após colher o sangue com seringa a amostra será transferida para os tubos de coleta , e aí está o pulo do gato!
Imediatamente retire a agulha ou escalpe da seringa;
Inicie a transferência sempre pelos tubos que contenham anticoagulante;
Abra o tubo, previamente identificado, e transfira lentamente a amostra pela parede do tubo;
Feche o tubo e homogeneíze suavemente 10 vezes por inversão apenas os que contiverem anticoagulante ou conservante.

Mas porque não posso apenas espetar a agulha na tampa do tubo e assim injetar o sangue?
Porque a amostra corre sério risco de hemolisar. As hemácias (parte vermelha do sangue) são frágeis e podem facilmente romper se tiverem de passar pelo lúmen da agulha novamente e ainda por cima forem submetidas a força do vácuo contido no tubo.

Como a hemólise interfere nos resultados do exame?
Quando as hemácias se rompem a parte líquida do sangue (soro ou plasma) torna-se rosada ou vermelha, denunciando o fato. Esse detalhe só poderá ser percebido após a separação da amostra em centrífugas, bem longe do consultório veterinário. Na hemólise os pigmentos de hemoglobina (que tornam a hemácia vermelha) e todo o conteúdo das hemácias espalham-se pelo plasma ou soro. Muitos analitos estão presentes em maior quantidade dentro das células e consequentemente agora eles estarão adulterando a amostra.
Neste caso alguns exames terão seus resultados alterados para um valor mais elevado. Isso pode mascarar valores reais baixos no sangue. Como por exemplo um animal com hipotireoidismo pode vir para casa com um laudo normal, caso sua amostra esteja hemolisada. - Mas isso não acontece na prática, não e?
Sim, isso infelizmente acontece.

Diversas falhas podem ocorrer na fase de aprendizado e formação do profissional. Alguns não perceberão a necessidade de se aprimorar, persistindo de forma automática nos vícios.
Mas nunca soube que isso influenciaria nos exames de meus pacientes. Todos os meus colegas fazem exatamente do mesmo modo que eu! 
Cabe ao profissional do laboratório identificar, alertar e não processar amostras inadequadas. Ele deve solicitar nova amostra!

Senhores veterinários

Sempre é hora de aprender o modo correto de executar tarefas e sempre é hora de otimizar o atendimento que você presta. Cada cliente seu é importante para alguém, é amado por alguém e não raras vezes representa a única companhia de alguém. Lembre-se disso quando realizar a próxima punção. 

A adoção de técnicas corretas na obtenção, manuseio, conservação e transporte de amostras não requer investimento adicional algum. Pequenas mudanças em sua rotina podem significar muito para seu cliente, para os tutores do animal e para a confiabilidade e segurança do serviço que você disponibiliza. O exame laboratorial deve ser uma ferramenta, não um entrave.

“ Todo o exame laboratorial deve ser correlacionado à clínica, que é soberana”
“ O médico trata o doente, não seu exame”

Sirley Vieira Velho
Farmacêutica com habilitação em Análises Clínicas

Seja gentil, seja coerente e correto: cite a fonte original sempre!

Referências
1-Bonini,Pierangelo;Plebani,Mario;Ceriotti, Ferruccio et. all Errors in Laboratory Medicine, Clinical Chemistry 48: 691-698, 2002;
2-Jacobcs, David S.; Demott, Wayne R.; Grady, H.J et all –Laboratory Test Hand Book 4ªEd.
3-How to Draw Blood Samples on a Dog as a Veterinary Technician
4-Failace, Renato- Hemograma Manual de Interpretação, Artmed Editora SA, Porto ALegre RS,2003;

Boas práticas em obtenção e cuidados com a amostra podem ser acessadas atráves de sites de laboratórios.

2 comentários:

  1. Amei, amei amei! Vou divulgar muito!
    Eu e bobó, infelizmente, já fomos vítimas desses péssimos profissionais.

    Carol

    ResponderExcluir

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