Braquicefalia,acondroplasia e nanismo. Tecla SAP por favor...

“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina” Cora Coralina

 Muitas raças são frutos da fixação de discretas, ou nem tão discretas,  mutações através de intensa seleção artificial.
Cada raça é definida por um conjunto de características especificas
  • Tamanho; 
  • Comportamento; 
  • Comprimento, textura e coloração da pelagem;
  • Forma do corpo, crânio e face. 
  • Algumas peculiaridades fenotípicas e mesmo mutações genéticas são compartilhadas por diferentes raças. (1).


Frenchies são apaixonantes ao primeiro olhar. Sua graça irresistível tem explicação: eles lembram os bebês humanos: cabeça grande, olhinhos enormes e alertas, bochechas fofas, baixinhos e parrudinhos. O conjunto de características se deve à sobreposição de duas condições geneticamente herdadas:

Note que sutura coronal é uma das últimas a consolidar em um cão não braquicefálico . Crânio de chiuaua                                  
  • Braquicefalia: essa característica confere a famosa “cara chata”. O crânio se mostra encurtado longitudinalmente. Isso é devido à ossificação precoce da sutura coronal às demais linhas de ossificação do crânio que irá permitir o crescimento lateral conferindo a forma larga e curta. Raças como Boxer, Bulldog Campeiro, Old English Bulldog etc são exemplos de braquicefálicos não acondroplásicos.
  • Acondroplasia: forma mais freqüente do nanismo. Sua principal característica é a desproporcionalidade da cabeça e membros em relação ao tronco. 
  • Existem cerca de 100 diferentes tipos de nanismo. A acondroplasia é a forma mais comum dessa rara manifestação. Estudos histológicos mostram indiscutível semelhança entre os tecidos ósseos de raças caninas acondroplásicas e humanos também afetados. As características físicas são muito semelhantes entre os acometidos das duas espécies. Por essa razão cães com a compleição física do Bulldog Francês, Bulldog Inglês, Shih Tzu, Pequinês são classificados como acondroplásicos. Contudo as bases genéticas do nanismo canino não estão completamente elucidadas como acontece na raça humana.
·        Em raças caninas as seleções de cruzamentos fixaram a condição que é geneticamente transmitida por herança autossômica recessiva. Ela determina desenvolvimento anormal das cartilagens ósseas resultando em tronco e membros encurtados.


Crescimento ósseo e acondroplasia

O esqueleto é formado por dois tecidos: cartilagem e osso. Eles se originam de células específicas: - condrócitos que formam a cartilagem, um precursor do osso
- osteoblastos que formam o osso.
Durante o desenvolvimento embrionário esses dois tecidos se originam a partir das células do mesênquima. Os ossos longos são formados pela ossificação do tecido endoncondrial. As células do mesenquima se diferenciam em condrócitos, os quais proliferam tornando-se hipertróficos. A matriz em torno das células se calcifica, e o espaço entre elas é invadido por vasos sanguíneos. O advento da vascularização permite a chegada dos osteoblastos que produzirão tecido ósseo nessa matriz ou molde cartilaginoso. O processo é finalizado pela substituição da cartilagem por tecido ósseo.
Ao nascimento a substituição da cartilagem por osso ainda não se completou e há uma placa de cartilagem entre as epífises (cabeças dos ossos longos) e metáfises (porção medial dos ossos longos). Essa porção cartilaginosa é chamada placa de crescimento. Ela permite o crescimento longitudinal dos ossos longos (ossos das pernas e braços). Ao final da puberdade a placa de crescimento terá sido completamente substituída por osso, encerrando assim o crescimento em estatura do individuo. 
A placa de crescimento é formada por três camadas de condrócitos: 
  • Camada de repouso: logo abaixo da epífise óssea contém condrócitos em relativa quiescência. Essas células apresentam-se sozinhas ou aos pares e encontram-se dispersas em leito rico em matriz cartilaginosa. 
  • Zona proliferativa:  como os nome indica há novos condrócitos  surgindo constantemente. Eles são células achatadas e se mostram em colunas paralelas alinhadas ao longo do eixo ósseo. Conforme se proliferam alcançando as diáfises elas se diferenciam e com isso sua capacidade proliferativa cessa. 
  • Camada hipertrófica: Finalizado o processo de diferenciação os condrócitos tornam-se hipertróficos e arredondados, repletos de vesículas capazes de secretar matriz que será depositada no meio extracelular. Essas vesículas servirão como sítios de mineralização. Ao final da diferenciação os condrócitos morrem deixando lacunas que serão invadidas por vasos sanguíneos. A vascularização permite a chegada de céulas do estroma, condroclastos  e osteroblastos. 
Dois terços da matriz cartilaginosa mineralizada será reabsorvido pelos condroclastos; o outro terço servirá como molde para a deposição de matriz óssea pelos osteoblastos.
Na acondroplasia, circunstância geneticamente determinada, ocorre alteração na diferenciação e proliferação dos condrócitos. Em consequencia haverá alterações nos componentes extracelulares da matriz das placas de crescimento que compromete o desenvolvimento dos ossos longos.

Assim como no homem, o nanismo em cães também pode ter como causa, dentre outras o: 
  • Hipopituitarismo: insuficiência da glândula pituitária ou hipófise.
  • Hipotireoidismo (nanismo desproporcional): insuficiência da glândula tireóide.
Em humanos o “teste do pezinho” faz o rastreamento de uma série de erros inatos do metabolismo a partir de uma semana de vida e detecta inclusive as deficiências hormonais aqui citadas. 
É possível detectar e tratar o hipotireoidismo congênito em cães com poucos dias de vida.  O diagnóstico em recém nascidos baseia-se nos sinais clínicos e pode ser feito por profissional bem preparado. 
Infelizmente a maioria dos filhotes afetados morrerá sem diagnóstico ou tratamento.


Algumas condições associadas à acondroplasia


Assim como no homem, cães de raças acondroplásicas  requerem cuidados especiais com sua saúde.
É uma condição geneticamente determinada que afeta o crescimento, mas não o intelecto ou a expectativa de vida.








Note a semelhança entre o cão e o humano acondroplásico. Há uma lordose, curvatura lombar anormal da coluna vertebral.
  • Malformações vertebrais e articulares, que podem levar a perda transitória ou permanente dos de movimentos dos membros posteriores . Nesse aspecto os cães levam franca vantagem por serem quadrúpedes. Podem ocorrer hérnias ou desgaste de discos intervertebrais, geralmente na idade adulta.
  • Convulsões.
  • Devido às alterações da face podem sofrer de problemas respiratórios. No frenchie o stop acentuado traduz a deformidade facial típica da acondroplasia (2),  mais marcante em relação a outros braquicefálicos.
  • As deformidades faciais podem se estender ao ouvido, nariz e garganta. Num ouvido normal a tuba auditiva é reta. Em indivíduos acondroplásicos ela pode apresentar-se curva, facilitando o acúmulo de umidade e, consequentemente, as otites de repetição. Não é incomum o animal perder a audição com o passar dos anos. É importante o cuidado constante com os ouvidos.
  • Faltas dentárias ou complicações ortodônticas devido à mandíbula e maxilar pequenos.
  • Protusão da língua;
  • Apnéia do sono de maior incidência no Bulldog Inglês. Acredita-se ser a responsável pela morte sem causa aparente de rescém nascidos acondroplásicos  (10);
  • Artroses especialmente se estiverem com sobrepeso ou obesos. É importante manter uma alimentação balanceada e exercícios para que vivam mais e melhor;
  • Possibilidade de displasia coxofemoral. Esta dificilmente será limitante para um frenchie por seu pequeno tamanho e musculatura bem desenvolvida.
  • Distrofia torácica como o Pectus carinatum (peito de pombo).
  • Os filhotes tendem a ser "molinhos" por mais tempo que raças não acondroplásicas. Em alguns pode haver um retardo no fortalecimento do tônus muscular compromentendo o inicio da deambulação.
  • Prolápso vaginal, mesmo em nulíparas. 
  • Devido à estreita pélvis e a grande cabeça dos bebes os partos se dão por cesariana na maioria das vezes (4), (5);
  • Pela compleição física, pequenos e entroncados, a dose dos medicamentos anestésicos deve ser individualizada. É importante a verificação de seu peso antes administrar qualquer remédio.
  • Incidência aumentada de leiomioma, tumor benigno de útero. A fêmea geralmente não apresenta corrimento, aumento de mamas ou outros sinais significativos. 
 Dada as peculiaridades da condição os cuidados e condutas médicas devem ser singulares podendo não seguir as linhas gerais da prática veterinária.


    Acondroplasia X Anestesia

    Na acondroplasia o espaço ocupado pela medula espinhal é reduzido, ocorre estenose na coluna vertebral.
    Em pessoas com nanismo as anestesias regionais (peridural e raquianestesia) não são recomendadas e sua utilização se faz com muito critério e ressalvas, a despeito de todos os recursos de que dispõe a medicina humana (5), (6), (7). Essa opção pode ser perigosa devido ao pequeno espaço subaracnóide e risco de lesão nervosa.
    Entubá-los pode ser difícil, tudo neles é pequeno. Sua região cervical  é curta e vulnerável a luxações (instabilidade atlantoaxial) com trauma raquimedular. Há necessidade de muita cautela no manuseio evitando movimentos bruscos e hiperextensão do pescoço.

    Maiores considerações anestésicas

    Avaliação pré-anestésica de vias aéreas e estabilidade do pescoço
    • Manutenção de uma posição neutra durante a manipulação do pescoço
    • A necessidade do uso de tubo endotraqueal pequeno (pelo difícil acesso às vias aéreas) pode dificultar a ventilação.
    • A documentação cuidadosa de déficits neurológicos pré-operatórios
    • Estenose espinhal e desalinhamento vertebral podem complicar
    uma abordagem regional
    • Problemas de ventilação são comuns no pós-operatório
    • Não há contra-indicações para o uso de medicamentos específicos, mas o profissional deve ser extremamente criterioso na escolha avaliando tempo de metabolização e efeitos na ventilação.
    • Técnica meticulosa e atenção aos detalhes.





    O nanismo ou acondroplasia não é uma doença. No entanto predispõe o individuo ao risco de alguns problemas de saúde.
    Com cuidados adequados esses indivíduos terão vidas normais, ativas e tão longas quanto às de qualquer um.
    Algumas circunstâncias, consideradas próprias dos frenchies, ocorrem com relativa freqüência em raças ditas anãs. Não é segredo que alguns frenchies podem deixar de caminhar, perder a continência fecal e urinária de forma transitória ou permanente por um acidente ou falta de precaução e cuidados.
    Alguns perdem a vida devido à falta de conhecimento por parte de proprietários, criadores e veterinários.

    "Prá nunca perder
    Esse riso largo
    E essa simpatia
    Estampada no rosto...
    Cuide-se bem!
    Perigos há por toda a parte
    E é bem delicado viver
    De uma forma ou de outra
    É uma arte, como tudo..."
    -Guilherme Arantes

    Bulldogues Ingleses sorridentes

    Considerações:
    Antes de optar por um cão de raça pura considere suas características físicas, temperamento, necessidade de exercícios e aspectos ligados a saúde e cuidados. Um animal é e será sempre totalmente dependente. O convívio prazeroso entre vocês se condiciona a sua disposição em atender à demanda do cão.
    Você sabia que um cão bem tratado pode ultrapassar 15 anos de vida? Adotar é um compromisso de longo prazo, pense nisso!
    Sirley Vieira Velho
    www.skonbull.com
    Direitos Reservados
    Seja gentil, seja coerente e correto, cite a fonte original sempre! :)


     Agradecimentos
    Nosso muito obrigado ao amigo Rodrigo Pessoa que gentilmente nos cedeu as fotos de seus lindos Bulldogues Inglêses. Com pesar pela perda recente do pequeno Barão...


          Referências
    1. Danika Bannacsh et all - Localization of Canine Brachycephaly Using An Across Breed Mapping Approach - Plosone www.plosone.org - March 2010
    2. Simón Martínez., Raúl Fajardo, Jesús Valdés et all- Histopathologic study of long-bone growth plates confirms the basset hound as an osteochondrysplastic breed- The Canadian Journal of Veterinary Research- Frebruary 27, 2006.
    3. S. A. Bingel,R. D. Sande, Chondrodysplasia in the Norwegian Elkhound.American Journal of Pathology, Vol 107, 219-229, Copyright © 1982 by American Society for Investigative Pathology
    4. Ghumman S. et all- Pregancy in an achondroplastic dwarf: a case report. J Indian Med Assoc. 2005 Oct;103(10):536, 538
    5. Huang J, Babins N.- Anesthesia for cesarean delivery in an achondroplastic dwarf: a case report- AANA J. 2008 Dec;76(6):435-6
    6. T.Tsubokawa et all- Propofol pharmacokicinetics in a dwarfism patient- Acta Anaesthesiol Scand 2003; 47: 488490
    7. Carla Aparecida Batista LorigadosI; Franklin de Almeida StermanII; Ana Carolina B. Fonseca PintoII- Estudo clínico-radiográfico da subluxação atlantoaxial congênita em cães- Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci. vol.41 no.6 São Paulo Nov./Dec. 2004
    8.  Michel ShaerSinais - Clínicos: Pequenos Animais- Editora Artes Médicas Veterinásria-2009
    9. Richard W. Nelson, C. Gulhermo Couto et all- Medicina Interna de Pequenos Animais- Elsevier Editora- 4ª Edição 2010
    10. Little People www.littepeople.org 
    11. French Bulldog Z  www.frenchbulldogz.org
    12.  Pollinger JP et all- Selective sweep mapping of genes with large phenotypic effects.Department of Ecology and Evolutionary Biology, University of California, Los Angeles, California 90095-1606, USA. Genome Res. 2005 Dec;15(12):1809-19.
    13.  Meyers-Wallen VN - Ethics and genetic selection in purebred dogs.James A. Baker Institute for Animal Health, College of Veterinary Medicine, Cornell University, Ithaca, NY 14853, USA.Reprod Domest Anim. 2003 Feb;38(1):73-6. 


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